Varanda

Ajudei-o a sentar-se no sofá e sentei-me logo ao seu lado, ficando muito perto dele, e a agarrá-lo.
- Não estás não.- abanei a cabeça e fiz com que se recostasse, colocando-lhe uma almofada atrás da cabeça.- eu estou bem.- assenti, remexendo-me.- eu estou bem.- repeti.- mas não sou eu que interesso agora.- abanei a cabeça.- consegues ver os meus dedos? - perguntei, mexendo-os à frente da sua cara.

Ela estava a passar-se, já sabia que devia ter ido embora antes, se não tivessemos estado à conversa ela já não ficava assim. Fechei os olhos quando senti uma almofada debaixo da minha cabeça, mas nem isso acalmou a dor. Voltei a abri-los quando perguntou se via os seus dedos e abanei a cabeça - eu vejo sombras e um bocado de desfocado - admiti.

Nunca na minha vida eu tinha sido assim. Antes, eu era forte. Antes eu sabia controlar as minhas emoções. Mas desde aquele dia que tudo em mim tinha mudado. A água não tinha apenas devastado aquele país, não o tinha destruído apenas a ele. A água também me tinha destruído a mim, em todos os sentidos. Engoli em seco quando disse que via desfocado e passei as pontinhas dos dedos pela sua bochecha, sem saber o que fazer.
- Deixa-me levar-te ao médico.- murmurei.- ele vai saber o que fazer, deixa-me levar-te lá.

Fiquei de olhos fechados durante um bocado, enquanto ela estava calada, mas assim que pediu para me levar a um médico eu abanei a cabeça - Não é preciso, ele não me vão fazer nada, só me dar um medicamento mais forte - fiz uma ligeira careta - segundo eles é normal. - olhei para a janela, de onde eu conseguia ver o mar.

Eu sentia-ma tão inútil. Tinha a cabeça às voltas e não fazia a mínima ideia do que quer que fosse que pudesse fazer para o ajudar.
- Normal, como é que pode ser normal? - olhei-o e suspirei baixinho.- o que é que costumas fazer quando isto acontece? - perguntei baixinho.- eu não sei o que fazer para te ajudar.

-Eu estou a morrer Ariel - olhei-a com um abanar de cabeça e respirei fundo - isto não é nada comparado com o que vai acontecer - sentei-me devagar abrindo muito os olhos enquanto pestanejava - Não podes apegar-te a mim - murmurei.

Olhei-o quando também me olhou e cerrei o maxilar, apertando também as mãos fechadas em punho. Eu não aguentava mais mortes, não aguentava.
- Cala-te.- murmurei.- fecha os olhos e descansa, já vais ficar bem.- respirei fundo e encostei a cabeça ao sofá.

Pestanejei mais algumas vezes, e apesar das dores de cabeça, agora via perfeitamente bem, sinceramente já estava tão habituado a ter dores de cabeça que já nem me aborrecia. Suspirei agarrando-me à almofada que me tinha dado e virei-me de lado. Ela ia apegar-se a mim e eu a ela, tinha um dom para isso.

Eu não me podia apegar eu sabia, não podia nem queria. Quer dizer, acho que ficava pelo poder, porque o querer era outra conversa. Mas apenas amizade, o único homem da minha vida ia ser sempre Louis. E Mike, mas era diferente. Abri os olhos ao fim de algum tempo e olhei-o.
- Já estás melhor? - murmurei.

Passei a minha mão pela cabeça, por onde doía e tentei manter os olhos abertos quando ela me perguntou se estava melhor - sim - murmurei - já posso ir para casa - sentei-me devagar, antes que tivesse algum ataquezinho e esfreguei os olhos, levantando-me da mesma maneira que me sentei.

Fiquei a seguir os seus movimentos com o olhar e quando se ia a levantar, agarrei-lhe no braço, abanando a cabeça.
- Não vais embora.- murmurei.- não estas em condições para ires a lado nenhum.- olhei-o.- e não teimes comigo.

Olhei para a sua mão no meu braço e afastei-os com cuidado, agarrando-lhe com a minha mão na sua - eu já estou bem - garanti-lhe enquanto olhava os seus olhos - estás pálida, parece que viste um fantasma, acalma-te Ariel -dei-lhe uma festinha na bochecha vendo-as ficar com mais cor e beijei-lhe a testa - eu vou e vemo-nos amanhã.

Olhei para a sua mão a agarrar a minha e suspirei baixinho. Eu não percebia porque é que ele me mandava ficar calma, era impossível, ele tinha acabado de ficar cego durante uns minutos, isso não era normal. Fechei os olhos, encostando a minha bochecha à sua mão e abanei a cabeça.
- Não vás Ryan.- murmurei.- tu não estás em condições de conduzir sequer.

Suspirei com o seu pedido e olhei as horas, o meu irmão devia estar a chegar a casa agora e ia ficar todo desorientado se não soubesse nada de mim, ainda por cima nem sequer tinha bateria no telemóvel.
-Anda comigo, conduzes tu e deixas-me em casa, depois voltas.

Fiquei a olhá-lo, enquanto esperava uma resposta e quando finalmente a deu, ainda fiquei pensativa durante uns minutos. Eu não queria que ele fosse, mas se era isso que ele queria, ao menos assim certificava-me de que chegava em segurança.
- Está bem.- murmurei.- mas só porque sou eu a conduzir.- apontei-lhe o dedo.

Sorri levemente por ter aceitado e passei as mãos pelo cabelo olhando em volta para ver se via alguém para me despedir, mas como não vi, e como o melhor era não me envolver demasiado, saí de sua casa devagar, queria a minha cama o mais rápido possivel, mas para isso ainda precisava de ver Dylan.

Segui-o até à porta, matutando se esta mesmo a decisão mais acertada. Eu sabia que não fazia parte da vida dele, nem queria, mas não conseguia deixar de ficar preocupada.
- Vou levar o Ryan! - gritei, na esperança de que eles me ouvissem e fechei a porta atrás de nós, dirigindo-me para o seu carro.

OLhei para trás, sorrindo levemente quando a vi vir ter comigo e abri-lhe a porta do carro, para que fosse a conduzir. Fui sentar-me ao seu lado, mas antes que arrancasse, olhei-a. - A primeira coisa que eu quero que te mentalizes, é que eu vou morrer e que há coisas que simplesmente não podem ser resolvidas. - mordi o lábio - não podes entrar em stress com qualquer coisa que me aconteça, é normal.

Sentei-me no lugar do condutor, agarrando nas chaves e depois de colocar o cinto, coloquei-as, para ligar o carro. Mas Ryan começou a falar e por isso, apenas virei a cara para ele, mordendo a parte de dentro da minha bochecha.
- Eu não te percebo.- e era verdade.- tu vais morrer, e eu consigo estar mais preocupada do que tu.- abanei a cabeça.- como é que isso é possível? - pousei as minhas mãos no volante, apertando-o com as mesmas.- tu vais...como é que podes falar-me como se nada fosse?

Nem o meu médico percebia, mas eu já nem ligava, só quem passava por isto é que percebia, só quem sabia que de um momento para o outro ia morrer é que sabia. - Com o tempo habituaste - encolhi os ombros, era pura e simplesmente isso - pensas que no início não foi dificil aceitar? - perguntei-lhe - Mas não vale a pena, não vale a pena ir ao médico só porque do nada fico sem visão, porque não me podem fazer nada, não me vão curar.

Fiquei a ouvi-lo, enquanto olhava para a rua pelo vidro e a cada palavra sua, apertava mais o volante nas minhas mãos. O tempo, pois. Ele tinha razão, eu não me podia apegar a ele, não podia mesmo, ou então, ele ia ser mais uma pessoa de quem eu gostava que desaparecia da minha vida. Mas não, eu não me ia apegar a ele.
- Eles podem diminuir-te o sofrimento Ryan.- olhei-o.- o facto de ires..- abanei a cabeça, não queria dizer aquela palavra.- não quer dizer que não possas fazê-lo com menos dor.

Encolhi ligeiramente os ombros sabendo o que ela pensava, era fácil, eu pensaria o mesmo. Abanei a cabeça com o que ela disse e estiquei-me até à mala que tinha colocado na parte de trás do carro. Coloquei-a no meu colo e abri-a - o que é que achas que isto é? - perguntei pousando algumas das dez caixas - eu não estou a sofrer, apenas há coisas que são inevitáveis - olhei-a. - Eu estou bem.

Virei a cara para ele assim que o senti movimentar-se e vi-o esticar-se para uma caixa. Levantei uma sobrancelha, sem perceber o que era, mas quando a abriu, vi que se tratavam de caixas com comprimidos.
- Tens de tomar isso tudo? - perguntei baixinho, suspirando.- não estás Ryan, é impossível, mas disfarças bem.- assenti, voltando a olhar para a rua.

Assenti com a cabeça quando perguntou se tinha que tomar isto tudo - não, só se me sentir mal, só tenho que tomar um obrigatóriamente por dia - encolhi os ombros, essa caixa andava sempre no meu bolso. Não me podia esquecer. Olhei-a quando disse que fingia bem e olhei para o outro lado da janela, olhando para a minha casa ao longe - não te preocupes, concentra-te no que eu te vou ajudar a fazer.

Concentrei o meu olhar na estrada, começando a ver a sua casa ao longe e revirei ligeiramente os olhos com o que disse. Eu, eu, eu. Então e ele? Ele estava a morrer e só se preocupava comigo, como é que era possível? Não disse mais nada, antes que saísse porcaria e continuei a conduzir em silêncio.