Cozinha e sala de jantar

Sorri quando ela disse que ia conseguir e abracei-a com mais força. Afastei-me antes de a conseguir beijar mais e passei os dedos pela sua bochecha perto dos seus olhos - sabes que podes chorar, não sabes? - perguntei, não era a primeira vez que sentia que ela precisava de o fazer, mas ela demonstrava-se forte por mim, dei-lhe um beijinho nos lábios sorrindo levemente - isso não me mata.

Mal senti os seus dedos passarem perto dos meus olhos, eu fechei-os por instinto, só conseguindo ouvir o meu coração palpitar-me nos ouvidos, deixando-me depois ouvir o que Ryan dizia.
- Não.- murmurei de imediato.- eu estou bem.- não estava, mas não queria que ele voltasse a dizer que o melhor era eu afastar-me, não ia chorar à sua frente.

Encostei a minha testa à sua cabeça passando os dedos pelos seus braços, podia ser a coisa mais egoísta a fazer, mas era melhor estar perto dela, ela deixa-me mais calmo, sozinho eu partia a cozinha toda em segundos. - Mas podes - disse apenas para avisar, não acreditando um segundo que ela estivesse bem. - Não te vou afastar - levantei a cabeça para olhar para a cozinha - vamos para a sala, depois arrumo isto.

Senti toda a minha pele arrepiar-se debaixo do seu toque, o que me fez fechar os olhos durante alguns segundos. Era como se agora tudo fosse mais intenso, como se as coisas mais pequenas fossem as que tinham mais valor, aliás, eu sabia que era assim.
- Não me vais afastar? - perguntei assim que o ouvi, levantando logo a cabeça.- eu estava com tanto medo que o fizesses.- confessei baixinho, sentindo logo o meu queixo tremer, mas eu parei-o a tempo.- obrigada.- murmurei, assentindo depois ao que ele disse, começando a andar com ele para a sala.- eu depois ajudo-te.- disse.

Sorri-lhe quando disse que era toda minha e parei quando entrei na cozinha vendo o meu irmão fazer o mesmo mais a namoradinha. Parei, ficando mais sério e percebi que eles iam para o quarto. Era agora ou nunca, tinha que arranjar coragem e tinha que ser agora.
-Eu preciso de falar contigo - olhei depois para Brooke e sorri-lhe levemente - Olá Brooke.

Passei uma mão pelas costas de Brooke quando ela se encostou toda a mim, meio envergonhada e juntei as sobrancelhas quando vi a expressão de Ryan - eu não fiz nada de mal, eu juro - disse levantando as duas mãos até ficar com elas como se me estivesse a redimir. Eu fazia muita porcaria antes, mas depois de estar com Brooke que já não fazia tanta.

- Olá Ryan. - disse com um sorriso depois de ele me cumprimentar. Mordi o interior da bochecha quando vi o ar dele e o que disse ao Dylan e afastei-me ligeiramente dele - É melhor eu ir embora para vocês falarem à vontade. - disse com um pequeno encolher de ombros.

Encostei-me a ele enquanto nos dirigíamos para o seu quarto, mas Ryan parou quando passámos pela cozinha. Juntei as sobrancelhas, olhando para ele, mas depois segui o seu olhar e percebi o que se passava. Dylan estava ali. Mordi a parte de dentro da minha bochecha e apertei-lhe ligeiramente a mão, olhando depois para eles.
- Olá.- cumprimentei com um ligeiro sorriso e olhei para a namorada de Dylan enquanto ela falava.- sim, eu também posso ir, se quiseres.- virei-me para Ryan, ainda de mão dada com ele. Não tinha a certeza se ele queria que eu estivesse com ele, ou se preferia contar sozinho.

Abanei a cabeça para o acalmar - eu sei - disse ficandoa olha-lo durante uns segundos, só despertando quando Brooke e Ariel falaram a dizer que podiam ir embora. Encolhi ligeiramente os ombros - vais saber de qualquer das maneiras, acho que é igual - disse encostando-me à mesa vendo a expressão de Dylan ficar desconfiada.

Olhei para toda a gente tentando perceber o que é que se estava a passar ali e só depois reparei que a cozinha estava feita num oito. Fiz uma careta agarrando num pedaço do microondas - fomos assaltados ou coisa do género? - perguntei vendo o meu irmão negar. Mordi o lábio meio preocupado. - O que é que se passa? Alguém que fale - pedi já a passar-me da cabeça com tanto stress que havia ali.

Mordi o lábio inferior já a ficar nervosa por não perceber o que se estava a passar e voltei a aproximar-me do Dylan, agarrando na mão dele enquanto entrelaçava os nossos dedos e a apertava com força. Até eu já estava a ficar preocupada com o que tinha acontecido mas deixei-me estar em silêncio a olhar para o Ryan à espera.

Ao ouvir a resposta de Ryan percebi que podíamos ficar. Assenti, apesar de ninguém ver e voltei a encostar-me a ele, apertando a sua mão de novo. O meu coração já estava todo apertadinho, nem queria imaginar como é que isto ia correr. Olhei na direcção de Dylan quando começou a ficar todo nervoso e voltei a olhar para Ryan, mordendo a parte de dentro da minha bochecha com força.
- Conta-lhe.- incentivei baixinho. Se tinha de ser agora, mais valia que fosse rápido.

Agarrei-me à mesa tentando arranjar uma maneira de lhe contar. Pelo menos ele tinha a namorada para estar com ele. Passei as mãos pela testa e depois pelo cabelo respirando fundo. - Há alguns meses atrás quando viemos de Nova Iorque para Miami para os torneios, eu não ganhei porque desmaiei em plena prova - ele já sabia disso, por isso vi-o assentir impacientemente - quando fui levado para o hospital, fizeram-me uns exames - respirei fundo - e descobriram que eu não estava estava muito bem de saúde.

Olhei para Ariel quando ela o tentou incentivar a contar e na minha cabeça começaram a surgir as histórias mais difíceis de contar. Se calhar íamos ter que mudar de casa e isso queria dizer que não podia estar mais com Brooke. Parei de pensar assim que ele começou a contar o meu coração começou a bater cada vez mais rápido e tão forte que até parecia que estava a doer. - O que é que tu tens? - perguntei baixinho.

Comecei com pensamentos parvos, afinal eu morava em Miami mas eles não, estavam ali numa espécie de férias e iam ter de ir embora. Era isso que o Ryan queria dizer. Cheguei-me mais para o Dylan assim que o Ryan começou a contar o que se passava e suspirei de alívio quando percebi que não iam embora mas rapidamente voltei ao estado de stress quando ele continuou a falar. Não era isso mas algo me dizia que era pior. Apertei a mão do Dylan com força e esperei que o Ryan respondesse.

Sinceramente, depois de perder Tom não pensava que ia gostar de mais ninguém, tinha a estranha impressão de que ia ser sempre dele e que praticamente tinha morrido com ele. Mas não tinha sido isso que tinha acontecido, tinha conhecido Ryan e ele tinha-me feito sentir viva de novo, estava a ajudar-me a ultrapassar o meu medo e estava, cada vez mais, a preencher um espaço vazio na minha vida. Eu gostava dele, por mais que fosse errado, ou por mais que tentasse evitá-lo, a verdade era que gostava e tudo isto, estava a matar-me a mim também, mais do que qualquer outra coisa. Senti o meu estômago às voltas quando ele começou a contar e esforcei-me por não desatar a chorar ali à frente de todos. Precisava de o fazer já há muito tempo, mas não ia ser à frente deles de certeza. Passei uma mão pelo cabelo, colocando uma mecha atrás da orelha e balancei o meu peso de um pé para o outro, deixando-me estar encostada a ele, queria que soubesse que eu estava com ele, acontecesse o que acontecesse. Por mais que acabassem por nos separar, mesmo sem o nosso consentimento.

Ao olhar a expressão de Dylan percebi que ele já estava a ficar preocupado. Porque é que tinha que ser tão díficil? Ele devia saber isto desde o início eu é que tinha sido burro em não lhe ter contado logo para o deixar pronto para as provas dele e também para não o deixar de rastos.
-O que é que tu tens? - ele voltou a perguntar mais alto e eu endireitei-me.
-Cancro - apontei para a cabeça - no meu cérebro - ri-me sem vontade - eu sempre disse que ele parecia um pouco podre. - baixei o olhar para não ver a sua cara.

Estava a ficar impaciente mesmo à séria, aquele suspense estava a matar-me, só queria saber o que é que se passava de uma vez por todas. Levantei o olhar para ele quando me disse o que tinha e fiquei estático a olha-lo. Podia ser tudo menos aquilo . - O quê? - perguntei de novo para ver se tinha ouvido bem, mas eu sabia que sim.  - Vais fazer quimio? - perguntei sem saber o que dizer, puxando uma cadeira para me sentar antes que caísse estatelado no chão.

Arregalei os olhos com o que o Ryan disse - Oh meu deus. - sai do estado de choque rapidamente para ajudar o Dylan a sentar-se antes que ele desmaiasse ou algo do género e eu não conseguia com ele. Encostei-me a ele enquanto lhe fazia festinhas no cabelo e levantei o olhar para o Ryan - O que é que vais fazer para curar isso? - perguntei demasiado baixo. Nem conseguia pensar decentemente.

Assim que ele disse palavra, acho que o meu coração fugiu durante uns minutos. Sustive a respiração, reprimindo um soluço e mal o vi baixar o olhar, entrelacei os meus dedos nos seus. Eu continuava a não acreditar, para mim, isto não ia acontecer, eu continuava a alimentar a esperança. Ela é a última a morrer não é? Não me podem censurar por isso. Levantei o olhar assim que Dylan e Brooke começaram a fazer perguntas e engoli em seco, aquela era a pior parte, ele não ia fazer nada. Para ele e para os médicos, não havia nada a fazer, isso era das coisas que mais me custava aceitar. Permaneci calada, soltando um suspiro e fiquei a acariciar a sua mão com o meu polegar, mantendo-a apertada na minha.

Respirei fundo para conseguir voltar a falar para responder às perguntas deles e engoli em seco abanando a cabeça. - Também me disseram que não há nada a fazer, a quimioterapia é a única solução para aumentar o tempo, mas na minha opinião é morrer antes do previsto - antes que Dylan reagisse ou qualquer um dos outros fizesse eu acrescentei - eu pesquisei por isso é a minha decisão - engoli em seco - e...

Fiquei a olhar para o meu irmão e não foi preciso muito para saber a resposta - como assim não vais fazer nada? - Perguntei levantando-me de punhos cerrados inclinando-me na sua direção - vais morrer Ryan, tens que fazer alguma coisa. Não pode ser assim - gritei-lhe sentindo-me desfalecer aos poucos tendo que me sentar de novo e colocar as mãos na cabeça - não pode ser assim - disse mais baixinho agarrando-me ao meu cabelo.

Voltei a levantar o olhar para o Ryan e arregalei os olhos quando percebi o que ele queria dizer. Cheguei-me mais para o Dylan e continuei com as festinhas no seu cabelo - Tem calma, Dy. - disse-lhe baixinho mas até eu sabia que era impossivel ter calma naquela situação. E só de pensar no Dylan a passar por isto, o Dylan a saber a verdade sobre mim, tudo a cair sobre ele fazia-me doer o peito. Mas por um lado até era melhor.. assim ele ia embora de Miami e ia a pensar que eu era a Brooke que eu era com ele, não a verdadeira Brooke.

Tal como eu já esperava, Dylan fez as mesmas perguntas que eu também tinha feito e que continuava a fazer, como é que ele podia dizer que não havia nada a fazer? Como é que ele se podia contentar com essa ideia? Se bem que eu sabia que também era difícil para ele, não podia ser injusta, provavelmente, se estivesse no seu lugar faria o mesmo. Respirei fundo quando senti os meus olhos picarem e olhei para Dylan, respirando fundo.
- Pensa que ao menos assim o teu irmão não sofre tanto Dylan.- falei baixinho.- por mais que nos custe, por mais que lhe custe a ele também.

Pressionei os lábios um no outro quando vi o estado dele e afastei-me de Ariel, indo sentar-me ao lado do meu irmão, colocando uma mão sobre o seu pescoço. - Não fiques chateado comigo Dylan - pedi-lhe respirando fundo quando senti os meus olhos a lacrimejarem - eu estou bem agora, podes estar comigo. - engoli em seco.